domingo, 11 de outubro de 2009

Fluência Verbal

Recebi recentemente um texto bem interessante da fonoaudióloga Profª Leila Nagib, que atua como Coordenadora do Ambulatório de Transtornos de Fluência da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O artigo da professora fala particularmente sobre gagueira. O texto, na íntegra, segue abaixo.

Fluência, Transtornos de Fluência e Terapia Fonoaudiológica.
A compreensão dos conceitos de saúde e a qualidade está diretamente ligada e pode-se dizer que a comunicação eficaz tem relação estreita com esses aspectos.

A fluência da fala é uma habilidade da linguagem que é adquirida gradativamente, conforme a sua prática, o que requer tempo e ensaios. Portanto, para se ter fluência é necessário falar de modo corrente e muitas vezes; desse modo, ela é aprimorada pelo reforço da habilidade. Desenvolver habilidade da fluência tem implicação na expansão de mecanismos dos processos automáticos e muito pouco conscientes, ou seja, quanto mais houver fluência, menos atenção precisa ser voltada à fala. A fluência simplesmente acontece, sem que a pessoa saiba explicar exatamente como consegue.

Os transtornos de fluência são 5: a gagueira do desenvolvimento, a psicogênica e a neurológica, a taquilalia e a taquifemia.

A gagueira é um transtorno de fluência verbal e se caracteriza por hesitações, prolongamentos freqüentes de sons, de sílabas ou de palavras, repetições e pausas sucessivas que abalam a fluência da fala.

Cientificamente, pode ser explicada como um problema relacionado aos Núcleos da Base, que estão ligados à automatização de tarefas, sendo assim, a gagueira ocorre quando há uma negligência cerebral na automatização dos movimentos de fala, principalmente diante da palavra espontânea. Ela é involuntária e por isso a pessoa que tem gagueira não tem controle e não consegue evitar a sua ocorrência. A dificuldade se encontra em não estabelecer sinal diante do término de um fonema, de um som ou sílaba e iniciar outro som ou sílaba.

A gagueira do desenvolvimento acomete crianças em 37% até os 03 anos de idade e 68% entre 3 e 7. Atinge cerca de 5% da população de todo o mundo. Desse percentual, 1% terá um transtorno ou seja, um problema crônico, manifestando-se assim como um grande obstáculo para a comunicação. Na CID 10 seu código é F98.5.

É mais encontrada no sexo masculino, numa proporção de 4 para 1. Aproximadamente 25% das crianças que apresentam sintomas não fluentes se tornam gagas. Inexiste ainda um consenso quanto à causa da gagueira, autores defendem distintas etiologias. Existem alguns sinais predisponentes relacionados à hereditariedade, ao biológico, ao psicológico, ao lingüístico e ao social, que somados podem estabelecer uma tipologia da não fluência da fala.

Na infância, vêem-se crianças que apresentam sintomas disfluentes, mas que vivenciam apenas um período de desenvolvimento lingüístico, social, emocional, biológico e neuropsicomotor relacionado às novidades da idade. Elas perfazem o percentual de 75% que não terá o transtorno verdadeiro da gagueira.

Causada pela dificuldade dos núcleos da base de indicar o término de um som, a gagueira parece ter a transmissão genética da propensão para gaguejar, contudo, apresentar herança genética para ela não resulta, essencialmente, na sua materialização. A sua manifestação encontra-se bastante relacionada à interação com o ambiente, deste modo, faz-se necessário o acompanhamento fonoaudiológico à criança e à família, principalmente, para desmistificar o que não é científico a respeito do assunto.

A gagueira psicogênica não é uma verdadeira gagueira e sim um sintoma de conversão. Neste caso, a alteração na fluência da fala é a expressão de um conflito ou de uma necessidade psíquica. Ela se apresenta com algumas diferenças da gagueira do desenvolvimento, por ter causa psicológica. Surge em adultos (diferente da gagueira de desenvolvimento) que nunca haviam gaguejado, e se inicia a partir de um trauma psicológico. Nesses casos, o psicólogo deve atuar e o prognóstico é excelente, já que a causa é psicológica. Claro que em outra situação, se a gagueira estiver afetando a vida, impossibilitando suas ações sociais, afetivas e outras, a psicoterapia também é eficaz, contudo, questões ligadas à auto-estima, timidez na comunicação e outros, não estão relacionados à gagueira e qualquer pessoa pode vivenciá-los.

A gagueira neurológica é um dos sintomas que podem acometer uma pessoa que teve um acidente neurológico e também tem distinções marcantes da gagueira do desenvolvimento.

A taquilalia se caracteriza por uma taxa de articulação ("velocidade de fala") elevada, suficientemente intensa para prejudicar a inteligibilidade da mensagem. Não ocorrem sintomas de fala gaguejada.

A taquifemia, assim como a taquilalia, é caracterizada por uma taxa de articulação ("velocidade de fala") elevada, suficientemente intensa para prejudicar a inteligibilidade da mensagem. Entretanto, dois outros sintomas também são obrigatórios para o diagnóstico de taquifemia: aumento significativo no número de hesitações/disfluências comuns e pouca consciência do distúrbio de fluência. Além disto, essa fala taquifêmica pode apresentar alterações fonológicas e/ou fonéticas, o que prejudica a inteligibilidade ainda mais. Muitas vezes esses sintomas são apresentados também na linguagem escrita.

A fonoaudiologia tem bases científicas para o trabalho com as pessoas que gaguejam e suas famílias. A família deve ter a orientação do especialista para que aprenda a lidar com os sintomas e comportamentos que podem acompanhar a gagueira de seu filho, no caso de crianças com gagueira. Portanto, quanto mais precocemente iniciar a terapia, melhores as chances de se obter bons resultados. Essas orientações são essenciais para se estabelecer reações mais leves no período em que a gagueira surge e pode se desenvolver.
A disponibilidade dos pais, a assiduidade, o interesse, a necessidade de intervenções precoces mais estreitas, maior ou menor facilidade de estabelecer um feed back com o terapeuta e vice e versa, são algumas variantes importantes do processo terapêutico. O objetivo da terapia é a reintegração da fluência ou a suavização dos sintomas. Na medida em que a interação social se estabelece, também há maior qualidade de vida e bem estar, instituídos pelo aprimoramento na transmissão do ato de se comunicar.

Em 22 de outubro comemora-se o Dia Internacional de Atenção à Gagueira em todo o mundo e nesse ano a campanha volta-se ao professor, com orientações que podem auxiliá-lo em sala de aula ao depararem com alunos que gaguejam.

Crianças acham mais fácil falar quando há poucas interrupções e quando têm a atenção do ouvinte. Ao invés de evitar que o aluno fale, por exemplo, o professor deve convidar a criança que gagueja para a leitura em voz alta, permitir que ela leia junto com outra criança, isto facilitará a sua fluência. Deixar que outras duplas leiam juntas algumas vezes, pode ser uma prática importante no desenvolvimento da fluência na escola. Ensiná-los que existem momentos de falar e outros de escutar também facilitará a comunicação entre o aluno que apresenta gagueira e o ouvinte. Fazer contato visual; prestar atenção ao conteúdo e não na forma do dizer; falar com ela de maneira tranqüila e antes de iniciar a fala; ouvi-la até o fim e aguardar alguns segundos após ela ter concluído aquilo que gostaria de dizer; não completar as palavras e ter desmistificado o assunto gagueira, podem ser medidas simples e importantes que devem ser tomadas. Os professores, bem como os pais podem, na orientação, aprender como lidam com os sintomas de gagueira e com as reações adversas a ela.

Importante lembrar que a gagueira, distúrbio da fluência verbal, não é um transtorno psicológico e o fonoaudiólogo é o profissional adequado a tratá-la. Nem todo fonoaudiólogo sabe tratar a gagueira, há que ter conhecimentos aprofundados ou ser um especialista na área da fluência.

(artigo da Professora Leila Nagib - Graduação em Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da UFRJ /Coordenadora do Ambulatório de Transtornos de Fluência - CRFa 2807/RJ)

5 comentários:

  1. Sou casada com pessoa que gagueja e achei esclarecedor e de linguagem acessível a abordagem do assunto. Parabéns.

    Juliana Takahashi

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  2. Oi, Juliana!
    Obrigada pelo retorno. Eu também acredito que o texto seja muito bom.Vou repassar seu comentário à professora Leila, afinal ela é a autora do artigo.
    Juliana, no portal www.gagueira.org.br
    existem algumas dicas a mais sobre o tema e também sobre as atividades marcadas pra semana que vem quando se celebra o Dia Internacional de Atenção à Gagueira.
    Acho que vale a pena dar uma olhadinha...
    Obrigada pela participação, viu?
    Saúde, sorte e sucesso!
    Abs,
    Deborah

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  3. Oi, Juliana!
    Muito, muito obrigada!
    Um ótimo dia!
    Abs,
    Deborah

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  4. Muito bom o texto... Desde de criança q eu gaguejo e ja faz algum tempo q eu tento falar pausadamente e isso melhorou muito a fluência da minha fala... muito bom o texto Parabéns!

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